ERA SÓ PEDIR...
- Por Alexandre Coimbra Amaral
- 2 de jun. de 2017
- 3 min de leitura

Todos nós, homens, ficamos chapados com os quadrinhos franceses* abordando a carga mental das nossas esposas na vida com filhos. Doeu ver nossas preguiças, nossos machismos e nossos individualismos desenhados ali, para finalmente entendermos um pouco mais do que somos. Ainda há chão, e muito, queridos manos de gênero, até essa equação ficar equilibrada para os dois lados. Somos a variável que desequilibra a conta do esforço e do reconhecimento. É deveras injusta a diferença da exigência que mulheres e homens vivem na vida familiar, sobretudo depois de um filho aparecer como a bênção que não pode ser fruto de sofrimento.
Eu faço parte deste grupo de homens que ainda está longe de entender tudo. Eu tenho uma mulher incrível ao meu lado, e ela me alerta todos os dias para meus pontos cegos. E eu, na minha humanidade tingida pelo machismo disfarçado de inclusão de gênero, demoro a entender. Por exemplo, sobre a carga mental, eu levei mais de dez anos para entender - nosso primogênito chegou à nossa vida há uma década. Precisei, literalmente, que me desenhassem. Que vergonha.
Sabe em que esta história me pegou nas visceras? O trabalho delas é urgente, inadiável e tem que ser feito por elas. Elas não têm saida. Quando o bebê chora pela enésima vez à noite e o seio está dolorido, rachado, e elas há mais de uma centena de dias sem dormir, não há alívio ou substituto para aquele momento específico. De novo, e de novo, e de novo, elas têm que abdicar dos desejos mais primários (como dormir, por exemplo), para servir ao filho hiperdemandante que pede conexão, usando as lágrimas e a garganta para deixar clara a urgência da sua necessidade.
E nós? Nós podemos adiar. Nós podemos dormir. Nós podemos sair para fazer qualquer coisa. Nos podemos escolher, inclusive, nem estar perto da dupla mãe-bebê, imersa em desesperos e dúvidas. Nós podemos isso tudo. Porque não estamos mergulhados na fusão com o bebê, absolutamente essencial ao bom desenvolvimento do início da vida deles.
E aí, se você pensa que tem uma relação igualitária em termos de estruturas de poder, descubra o abismo desta história. Não é. E toda vez em que um ato seu, meu e nosso fizer do dia delas uma experiência mais desgastante, estamos oprimindo e desequilibrando a equação. É importante sentir este amargor, este incômodo nas nossas gargantas. Enquanto a nossa fica apenas incomodada, a delas chora um "eu não aguento mais" que não é escutado por ninguém: nem pelo bebê, nem pela família, e nem pelo mundo.
Assumir que conseguimos ser muito pouco é o início do início do início do início. E é uma porta de entrada para, enquanto estamos distantes de viver na prática uma resolução para este impasse conjugal, pelo menos dizemos para nossas companheiras e para o mundo à nossa volta: eu reconheço este sofrimento, esta dor, esta exaustão de que sou co-construtor. E isto passa a ser um ponto de partida para uma nova postura, uma nova vida diariamente comprometida em sair das boas intenções, das boas frases, e partir para catar pratos, roupas, preguiças e sombras nossas. Já passou da hora de sermos otimos gestores somente em nossos cargos profissionais, da porta de casa pra fora. Nossas vidas domésticas anseiam por ver-nos no papel que é nosso, mas que escolhemos invisibilizar: o de co-diretores e co-operários de chão da fábrica.
*Para acessar os quadrinhos de Emma traduzido do francês pela Bandeira Negra acesse aqui

Alexandre Coimbra Amaral é Psicólogo, Palestrante e Coordenador de Grupos Terapêuticos e Cursos Livres na empresa Instituto Rodaviva
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